quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Edna


Edna, Edna, Edna, Edna, Edna. Já não suporto sequer ler o nome dela. Parecem cópias ininterruptas de Edna’s que vieram para me estilhaçar, para espezinhar os pedaços de cristais frágeis dos quais sou composta. E esfregar-me bem na cara o seu diploma de mestrado (enrolado num tubo de ouro reluzente) em superioridade, de mulher elitista superior a qualquer outra raça. Expõe-me a um espelho partido reflectido nos seus olhos, à sujidade que represento, as páginas em branco que eu não posso preencher, e, o vazio, a solidão com que me(o) prendou.

Queria arrancar com um garfo afiado a parte do meu coração doente e dar-lho para que ela se pudesse alimentar do último pedaço teu. Oferecer-lho numa bandeja, como ela quase fez comigo, depois de ter usado e sugado tudo, o que ainda importava, depois de ter descaradamente levado com ela um saco a transbordar dos únicos sentimentos que alguma vez ousaras dar-te ao luxo de desfrutar.

Quero libertar-me dela, mas agarra-se a mim como um carrapato, aquela imagem da cara dela, da mulher perfeita – perfeitamente perversa – e que fica ali congelada e perfeita para
sempre, s e m p r e, s e m p r e...
Tentei expulsá-la, rejeitá-la, ignorá-la, mas ela faz parte de nós. Não a quero comigo, connosco. Asfixia-me a vertigem em que entrei desde que aceitei este amor, e, até ela ~vertigem ~ carrega o seu nome, Edna.
Do teu, do meu só restam pedaços rotos, pisados, magoados. Tentativas de restauros com fita-cola do Lidl e psicologia barata fornecida com a cortesia do terapeuta surdo-mudo enviado pelo Centro de Apoio aos Doentes de alto Risco de Desespero e Agonia Total, nada tem surtido qualquer efeito.

E a aorta que liga o coração à felicidade foi secando, foi ficando enrugada, cansada e triste, foram secando os órgãos, mirraram os pulmões, quase não conseguem fornecer ar ao amor para ele conseguir respirar.
Queria poder gritar Edna, Edna, Edna, rasgar o seu nome do meu peito até ela deixar de existir. Mas não tenho forças, não tenho fôlego, e o alerta vermelho PERIGO, PERIGO, PERIGO DE MORTE é inútil, já rebentaram as baterias extra, já foram gastas há muito tempo.
Já quase me afoguei, mas rejeitei a atitude suicida de me deixar afundar em lágrimas, num último suspiro de desespero.

A tua imagem deixou de parecer real e tornas-te (uma vez mais) num sonho, numa ilusão, uma pincelada com os tons da perfeita perdição. A minha voz abandonou-me, também, e ficou apenas uma sombra dela e de mim no ar, misturada com o teu perfume.
A paisagem escurece, de repente e um lobo uiva.
Consegui soltar um último suspiro – BASTA! – antes de congelar de olhos siderados na imagem dum benjamim branco que insistia em depositar-me um lilás ao colo.
Ouviu-se o eco perpetuar esse meu último grito, BASTA!
Não aguentei viver-te, morri[te].
Ver também nesta Sequência de Contos, Margaret e Leila

Pic by territoire intime

6 comentários:

Å®t Øf £övë disse...

Nogs,
Este teu texto está verdadeiramente fantástico pela força que imprimes às palavras, em que é impossível não nos revermos por em alguma fase das nossas vidas já nos termos sentido assim, e termos tido a enorme necessidade de dizer um BASTA.
Beijinhos.

nOgS disse...

Obrigada, Art.

Ao escrever este conto senti vontade de criar uma sequência de histórias que exprimem exactamente determinados momentos que poderão acontecer na vida de qualquer pessoa.
Escrevi-o com garra, embora continue a julgar que ainda muito me falta para conseguir criar uma "obra-prima".

Continuarei a sequência em breve, estou a desenvolver outras personagens, pois cada conto terá o nome de uma personagem fictícia que poderia ser qualquer um, ou até mesmo um qualquer de nós.

Um abraço.

Oliver Pickwick disse...

Existencialismo e drama urbano com suspense. Isso é raro. Li de um só fôlego.
Os pés continuam frágeis, mas bonitos e charmosos. É bom "revê-la".
Um beijo!

OLHAR VAGABUNDO disse...

EDNA...EDNA...EDNA:)

BEIJO VAGABUNDO

as velas ardem ate ao fim disse...

Simplesmente genial este teu texto!Parabéns!

bjo

APC disse...

Vou-te lendo em silêncio, Nogs. Deixa-me dizer-te que este texto está fabuloso. Força, conteúdo, forma, raça. E sim, acho que todos/as nos podemos rever em circunstâncias idênticas. Escrever é isso: observar e conseguir transpor para o papel o que se olhou com olhos de ver e/ou sentir.
Beijos, muitos.